Na primeira metade século XIX, o pintor Paul Delaroche proclamou a morte da pintura ao ver o primeiro daguerreotipo. Todavia, a pintura soube sempre reinventar a sua pertinência no mundo da arte, como medium de experimentação plástica e conceitual.

Nas primeiras vanguardas, essa experimentação assumiu um cariz de ruptura com a tradição, pela exploração de efeitos ópticos e de valores lumínicos (impressionismo), pela inovação temática e cromática (fauvismo), pela desconstrução espaciotemporal das formas (cubismo), pelo abdicar da figura (abstracionismo), pela materialização plástica de perceptos e afetos (expressionismo), pela representação do movimento (futurismo). Formas, materiais e técnicas foram desafiados, usando o estro e a razão, mesmo quando era a via do inconsciente a ditar a pesquisa plástica (surrealismo).

Com o pós-modernismo, a complexidade e a contradição entram em jogo, tornando a pintura permeável quer relativamente às demais  disciplinas artísticas, quer a outros modos disciplinares de compreensão do mundo e do ser. Internamente, há uma desvinculação à tirania do estilo único e às especificidades dos movimentos. Sem mortes nem lutos, a pintura foi proclamando as suas valências de modo heterotópico. Através da abertura à sua exterioridade e aos itinerários artísticos transversais, ela foi se expandindo e provando o seu não esgotamento enquanto operador estético.

O campo expandido da pintura compreende pois toda uma rede de cumplicidades ao nível dos equacionamentos artísticos e extra-artísticos, não só no que diz respeito à produção de sentido e aos processos de partilha, mas também no que que concerne as matérias plásticas e as diversas processualidades que se lhes associam. A fuga à sua própria instanciação, faz do campo pictórico um espaço liminar, ativador de sociabilidades heterodoxas e de dinâmicas heurísticas, com exemplaridade frutuosa para qualquer processo criativo.

É na esteira do campo expandido da pintura e das reflexões que o acompanham que podemos entender o conjunto das obras que compõem a exposição “Aqui, Lá e em todo Lugar”. Não sendo representantes de um dado movimento artístico, os participantes desta mostra representam várias movências pictóricas que caracterizam a cartografia artística atual. As diferentes modalidades do fazer pictórico e das exterioridades com as quais a pintura convive, permitem que ela marque presença de modo ubíquo nessa cartografia artística. Ainda que com diferentes graus de presentificação, a pintura continua aqui, lá e em todo o lugar, sempre desafiando o seu tempo e resistindo a convencionalismos petrificadores.

Ana Rita Ferreira
NUPPE / Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa